Santos / SP - sexta-feira, 03 de maio de 2024

DEPENDÊNCIA QUÍMICA

A dependência química é uma DOENÇA complexa, mas tratável. 

 

A dependência química é caracterizada pelo desejo compulsivo de drogas, busca e uso que persistem mesmo em face de graves consequências adversas. Para muitas pessoas, a dependência de drogas torna-se crônica, com possíveis recaídas mesmo após longos períodos de abstinência. 

 

Na verdade, a recaída ao abuso de substâncias ocorre em taxas semelhantes às de outras doenças médicas crônicas, como diabetes, hipertensão e asma. Como uma doença crônica recorrente, a dependência química pode exigir tratamentos repetidos para aumentar os intervalos entre as recaídas e diminuir sua intensidade, até que a abstinência seja alcançada. 

 

Através de um tratamento adaptado às necessidades individuais, as pessoas com dependência de drogas podem se recuperar e levar uma vida produtiva. 

 

O objetivo final do tratamento da toxicodependência é permitir que o indivíduo alcance a abstinência duradoura, mas os objetivos imediatos são:

 

a) A redução do abuso de drogas;

 

b) A melhora da capacidade funcional;

 

c) Minimizar as complicações médicas e sociais do abuso de drogas. 

 

Assim como as pessoas com diabetes ou doenças do coração, pessoas em tratamento para dependência química precisam mudar o comportamento e  adotar um novo estilo de vida.

 

Quando uma pessoa é considerada dependente química?

 A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica uma pesssoa como dependente, se o seu padrão de uso de substância leva ao comprometimento clínico e social significativo, caracterizado  por , no mínimo, três ou mais dos seguintes itens, em um período de 12 meses:

1. Tolerância: é definida como uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para atingir o efeito desejado, uma vez que há diminuição do efeito com o uso contínuo da mesma quantidade da substância;

 

2. Abstinência é a manifestação de sintomas físicos após retirada da substância. É comum que o paciente retome o uso da substância ou de outra substância parecida para aliviar ou evitar sintomas físicos causados pela abstinência;

 

3. A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido (perda de controle);

 

4. Existe um desejo persistente ou esforços infrutíferos para reduzir ou controlar o uso da substância;

 

5. Uma grande parte do tempo é gasto em atividades necessárias para obter e usar a substância ou recuperar-se de seus efeitos;

 

6. Atividades sociais, ocupacionais ou recreativas importantes são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância;

 

7. O uso da substância é continuado apesar do conhecimento de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que é provável que tenha sido causado ou exacerbado pela substância (continuação apesar das consequências adversas).

 

Por que algumas pessoas se tornam dependentes?

 

Por duas décadas, os pesquisadores têm se esforçado para identificar os fatores de risco biológicos e ambientais que podem levar à dependência de álcool e outras drogas. Esses fatores formam uma mistura complexa, na qual as influências se combinam para causar a dependência  e fazer seu tratamento um desafio.

 

              As drogas acionam o sistema de recompensa do cérebro, uma área encarregada de receber estímulos de prazer e transmitir essa sensação para o corpo todo. Isso vale para todos os tipos de prazer – temperatura agradável, emoção gratificante, alimentação, sexo – e desempenha função importante para a preservação da espécie.

 

         Evolutivamente o homem criou essa área de recompensa e é nela que as drogas interferem. Por uma espécie de curto circuito, elas provocam uma ilusão química de prazer que induz a pessoa a repetir seu uso compulsivamente. Com a repetição do consumo, perdem o significado todas as fontes naturais de prazer e só interessa aquele imediato propiciado pela droga, mesmo que isso comprometa e ameace a vida do usuário.

 

 

Nos dias de hoje, os psiquiatras sabem mais sobre a dependência do que há 10 anos, e estamos aprendendo muito sobre como os fatores de risco trabalham juntos. Outros  fatores de risco amplamente reconhecidos incluem: 

 

  • Genes:a genética desempenha um papel importante. Ter pais dependente  de álcool, por exemplo, faz com que uma pessoa fique  quatro vezes mais propensa do que outras,  a se tornar um dependente de álcool;
  • Transtornos Mentais:muitas pessoas dependentes também sofrem de transtornos mentais, especialmente ansiedade, depressão ou psicose;
  • Uso precoce de drogas: quanto mais cedo uma pessoa começa o uso de drogas, mais provável a evolução para  abusos mais graves;
  • Ambiente social:pessoas que vivem, trabalham ou vão para a escola em um ambiente em que o uso de álcool e outras drogas é comum, como num local de trabalho, em que as pessoas fazem uso de sustâncias como uma importante forma de se relacionar com colegas de trabalho, são mais propensos a dependência;
  • Trauma de infância:cientistas sabem que o abuso ou negligência de crianças, o conflito persistente na família, abuso sexual e outras experiências traumáticas da infância podem aumentar a  vulnerabilidade  ao vício.

 

Reconhecendo a doença ...

 

Os amigos e a família podem estar entre os primeiros a reconhecer os sinais de abuso de substâncias. O reconhecimento precoce aumenta as chances de sucesso do tratamento. 

 

Alguns sinais a serem observados:

 

  • Ficar bêbado ou sob efeito de drogas regularmente;
  • Mentir, particularmente sobre a quantidade de álcool ou outras drogas que faz uso;
  • Evitar amigos ou a família, com finalidade de fazer uso de substância;
  • Planejar com antecedência, esconder ou estocar a substância de abuso;
  • Beber ou usar drogas sozinho;
  • Ter que usar uma quantidade maior para ficar "legal";
  • Acreditar que para se divertir é preciso beber ou usar outras drogas;
  • Ressacas frequentes;
  • Desistir/perder o interesse em atividades de rotina, tais como trabalho, estudos ou esportes;
  • Agressividade e irritabilidade;
  • Desaparecimento de dinheiro ou objetos de valor;
  • Soar egoísta e não se preocupar com os outros;
  • Ter "apagões": esquecendo-se do que fez na noite anterior;
  • Entrar em conflito com a lei;
  • Suspensão da escola/faculdade ou trabalho devido incidente com álcool ou drogas;
  • Locais de injeção inexplicáveis;
  • Tremores/convulsões ("ataques").

 

Princípios de tratamento eficaz

 

A investigação científica desde os  meados da década de 1970, demonstram que o tratamento pode ajudar muitas pessoas a mudar comportamentos destrutivos, evitar a recaída e sair com sucesso de uma vida de abuso de drogas e dependência química.  A recuperação da dependência química é um processo de longo prazo e frequentemente requer vários "reinícios" do tratamento. 

 

Algumas dicas para um tratamento eficaz:

 

  • Nenhum tratamento é apropriado para todos os indivíduos, é preciso individualizar o tratamento;
  • O tratamento eficaz atende as múltiplas necessidades do indivíduo, e não apenas o seu " vício" em drogas;
  • O tratamento de um indivíduo e seu plano terapêutico devem ser avaliados frequentemente e podem ser  modificados para atender às necessidades da pessoa;
  • A permanência  por um período de tempo adequado é fundamental para a eficácia do tratamento;
  • Terapias,  medicamentos, aconselhamento,  e principalmente o entendimento e a aceitação da doença pelo paciente e familiares são componentes essenciais para um tratamento eficaz;
  • Indivíduos dependentes químicos que apresentam transtornos mentais coexistentes devem ter ambos os transtornos tratados de forma integrada;
  • O tratamento médico de síndrome de abstinência ("desintoxicação") é apenas o primeiro estágio do tratamento da dependência e, por si só faz pouco para mudar o uso de álcool/drogas a longo prazo;
  • O preconceito e a "rotulação" são muito prejudiciais ao tratamento;
  • Como é o caso com outras doenças crônicas, doenças reincidentes, a recuperação da dependência de drogas pode ser um processo a longo prazo e, normalmente, requer vários episódios de tratamento, incluindo diversas formas de cuidados continuados.

 

Tratar a doença ... 

 

Nenhuma terapia disponível, programa, medicação ou procedimento cirúrgico pode remover o desejo recorrente ou fissura por álcool e/ou outras drogas. O objetivo principal do tratamento não é eliminar o desejo de usar drogas ou álcool. A expectativa mais razoável é que a medicação possa reduzir  a fissura e a reabilitação eficaz vai ensinar uma pessoa o que ela deve fazer para gerir e conter seus desejos recorrentes de usar, da mesma forma que uma pessoa com diabetes ou hipertensão deve aprender a gerir as suas vidas para controlar sua doença.

 

É melhor pensar em três fases de tratamento da toxicodependência, cada uma apresenta  uma função diferente no quadro mais amplo de atendimento:

 

  • Desintoxicação/estabilização
  • Reabilitação
  • Cuidados continuados

 

Desintoxicação

 

 A desintoxicação não é o tratamento específico para a dependência química, é apenas a primeira fase do tratamento e deve ser seguido pela reabilitação e cuidados contínuos para a melhora duradoura. Após cessar o uso contínuo e pesado de álcool e/ou drogas, a maioria dos indivíduos desenvolvem sintomas físicos e emocionais significativos (síndrome de abstinência). 

 

Desintoxicação é o tratamento médico desses sintomas. É quase sempre realizada em um ambiente hospitalar ou clínica especializada quando os sintomas são intensos, porém se o paciente apresentar sintomas leves, o tratamento pode ser realizado em casa. Essa fase geralmente dura entre uma e duas semanas, porém, para os indivíduos severamente dependentes, o tempo de desintoxicação pode ser maior. 

 

Resultados esperados incluem a redução da instabilidade física e emocional causada pelo uso de drogas e, ao mesmo tempo, iniciar o processo de motivação para reconhecer e aceitar a existencia de  um problema que precisa  e pode  ser tratado.

 

Reabilitação

 

 A Reabilitação é apropriada para os pacientes que não sofrem os efeitos físicos ou emocionais da intoxicação ou abstinência de substâncias. Ela normalmente oferece uma variedade de componentes de tratamento para ajudar a resolver os muitos problemas sociais e de saúde associados com o uso da substâncias. Nessa fase o paciente participará de  "programas especiais" que incluem:

 

  1. O tratamento médico para fissura;
  2. Terapia Individual, de grupo e familiar;
  3. Treinamento de prevenção de recaídas;
  4. Desenvolver um plano para um estilo de vida livre de drogas;
  5. Familiarização com os grupos de ajuda mútua (AA/NA).

 

Fase de continuação do tratamento

 

Os primeiros 3-6 meses após o início do tratamento é o período de maior vulnerabilidade à recaída. Consequentemente, os serviços de cuidados continuados são projetados para monitorar a saúde emocional das pessoas em recuperação, lembrá-los de seu compromisso com a mudança de estilo de vida e apoiar as suas necessidades à medida que iniciam a difícil tarefa de viver suas  vidas com uma nova perspectiva.

 

Medicamentos podem ser necessários nessa fase com a finalidade de controlar a fissura e impulsividade existentes. Terapias individuais, em grupos ou familiar devem ser estimuladas. 

 

Alguns programas de reabilitação oferecem  aconselhamentos e conselheiros que mantém contato contínuo com os pacientes. O paciente em recuperação é encorajado a continuar frequentando os grupos de ajuda mútua (ex: NA/AA).

 

Recaídas/ Lapsos

 

Pessoas em recuperação da dependência química podem experimentar uma falta de controle e retornar ao seu uso da substância em algum momento de seu processo de recuperação. Lapsos,  são definidos como uso de substâncias em quantidade e por períodos menores que não seguem o padrão pregresso. São muito frequentes, podendo ocorrer em aproximadamente 50% dos pacientes. Recaída, definida como retorno ao uso excessivo ou problemático, ocorre em cerca de 20-30% das pessoas que tenham concluído cuidados contínuos nos últimos 12 meses. 

 

O caminho para a recuperação é geralmente longo e difícil. Há muitos escorregões, tropeções e lapsos. As pessoas que se  recuperam,  são aquelas que levantam, "sacodem a poeira" e continuam a sua luta diária contra a sua doença. Ao fazer isso, elas evitam que lapsos temporários se transformem em recaídas completas. Para as pessoas que convivem com dependentes químicos, a recaída é um dos aspectos mais frustrantes da dependência. É muito importante apoiar e evitar confrontos no caso de uma recaída ou lapso. Afinal, se você que acompanha se sente frustrado e irritado, imagine como se sente a pessoa que sofre com a doença!! 

Dr Gustavo R. C. Quirino

CRM: 130073

Médico Psiquiatra- Clínica Lagus

Santos/SP